Nestor

10 horas          Cena: a escola   Arte: História            Símbolo: Cavalo*     Técnica de linguagem: Catecismo               Cor: Castanho

*Nestor era [ἱππαστικός] Hippastikós – “exímio cavaleiro”.

Odisseia. Telêmaco reúne-se com os pretendentes e é repudiado por eles. Orientado por Pallas Athena, disfarçada de Mentor, viaja ao Continente para ter notícias de seu pai, Odisseu (Canto II). No Continente, procura o sábio e ilustre guerreiro Nestor, para dele conseguir alguma informação sobre seu pai. Mas Nestor não tem notícias de Odisseu. Apenas relata sobre aqueles que retornaram de Troia (Canto III). Narra a chegada do comandante dos gregos na guerra de Troia, Agamêmnon, à sua casa, onde encontra sua esposa Clitemnestra com um amante – Egisto. É assassinado pela esposa, com sua morte vingada pelo filho – Oreste. Aconselha Telêmaco a procurar Menelau – irmão de Agamêmnon e esposo de Helena (cujo relacionamento com Páris precipitou a guerra) – para, talvez, deste possa obter informações mais precisas sobre o paradeiro de Odisseu. Guiado por Pisistrato, filho de Nestor, chega à corte de Menelau, onde Helena lhe conta como se deu o regresso ao lar de Menelau (Canto IV).

Ulisses. Stephen procura o Sr. Deasy, o diretor da escola onde ele leciona História. No episódio há ênfase na história da Irlanda. Em lugar de ele, Stephen (o “Telêmaco”) fazer um pedido, é o Sr. Deasy que lhe faz: entrega-lhe um artigo que escrevera sobre a febre aftosa no país, a lhe pedir que tente obter sua publicação no jornal. Aos preconceitos do diretor e à sua obsessão por dinheiro, Stephen, com objetividade e clareza, se pergunta (numa alusão a Nestor, sábio na obra de Homero) se essa é a velha sabedoria. Correspondências: Nestor – Deasy; Pisistrato, filho mais novo de Nestor – Sargent; Helena – a srª O’Shea, mais tarde, esposa de Parnell.

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Toda a primeira página do episódio [B 51; H 33; G 123] Tarento, Asculo, Pirro: a aula de História de Stephen trata de Pirro (318-272 a.C.), rei de Epiro, que foi chamado, em 281 a.C., pelos habitantes de Tarento (cidade grega na Itália [“Magna Grécia”]) para defendê-los dos romanos. Pirro teve sucesso, mas suas vitórias foram tão dispendiosas, especialmente a de Asculo, em 279, que a queda de Tarento tornou-se inevitável. Daí a expressão “vitória de Pirro”: uma vitória custosa demais.

Cochrane [B 51,1; H 33,5; G 123,28] – Possivelmente parente de Charles A. Cochrane, procurador e comissário juramentado, residente em Dalkey.

Fabulado pelas filhas da Memória. E no entanto era de uma certa forma como se a memória não o tivesse inventado. Uma frase, então, de impaciência, um golpe das asas de intemperança de Blake [B 51,7; H 33,11; G 124,2] O poeta William Blake (1775-1827) em sua A Vision of the Last Judgmen (“Visão do Juízo Final”) contrasta “Visão” com a “Poesia Inferior” de “Fábula ou Alegoria”. Para ele, a História – a assim chamada “Realidade Lembrada” como “As Vaidades de Tempo & Espaço” (the Vanities of Time & Space) – é uma Realidade de Fábula e, portanto, inferior à Realidade Visionária (o que “Existe Eternamente”). Stephen, impaciente com Blake por ter ele substituído a História temporal por “Realidade Eterna”, dá a entender que as afirmações de Blake resultavam da impaciência do poeta e de sua predileção pelo “excessivo”. Em “The Proverbs of Hell” (“Provérbios do Inferno”), Blake diz que “O caminho do excesso guia ao palácio da sabedoria” e “Excesso de sofrimento faz rir. Excesso de alegria faz chorar”. Também, “Nenhum pássaro voa tão alto, se voa somente com as próprias asas”. As filhas de Zeus e de Mnemosine (Memória) são as nove musas da mitologia grega. Ver episódio Circe [B 548,10; H 542,28; G 733,21].

Eu ouço a destruição de todo o espaço, vidro estilhaçado e alvenaria ruída e o tempo uma lívida chama final [B 51,10; H 33,14; G 124,5] – Blake afirmou repetidas vezes que o corrupto mundo temporal (em the Vanities of Time & Space) seria destruído pelo fogo apocalíptico e suplantado pela “Verdade e Eternidade(Truth and Eternity) e, em carta a William Hayley, a 6 de maio de 1800, que “toda perda Mortal é um ganho imortal. As ruínas do Tempo constroem as mansões na Eternidade”. Stephen sublinha a destruição de Tempo e Espaço, não sua substituição pela glorificada “Verdade Eterna” e mistura fragmentos de Blake com uma visão da queda de Troia, última causa não improvável dos esforços dos tarentinos sob comando de Pirro resistirem ao domínio de Roma. Dessa apocalíptica visão surge uma pergunta sobre a natureza da História: se, como Blake prevê em “The Marriage of Heaven and Hell” (O Casamento do Céu e Inferno”), o momento da transformação é “a lívida chama final”, então “toda criação… será consumida e aparecerá infinita e sagrada, mesmo que agora apareça finita e corrupta”?

livro sebento [B 51,15] – original gorescarred [24,14], “Gore” não no sentido de “muito sangue” ou de “dilacerado por lança ou chifre”, mas no obsoleto de “sujeira”, “imundície”, “mancha”. Outros tradutores: “escornado de escaras” [G 124,10] e “sanguinirrajado” [H 33,20].

Sim, senhor. E ele disse: Uma outra vitória como essa e nós estamos liquidados [B 51,16; H 33,21; G 124,11] Declaração de Pirro, depois da vitória de Asculo, segundo Plutarco – “Vidas”.

Você, Armstrong – disse Stephen – Qual foi o fim de Pirro? [B 51,22; H 33,26; G 124,17] Pirro foi morto (batalha de Argos, em 272 a.C.) com a ajuda da mãe de um inimigo (Zopiro), que Pirro ia matar. Ela jogou uma telha que atordoado, foi derrubado de seu cavalo e então Zopiro, um dos guerreiros de Antígono II da Macedônio, seu oponente, cortou-lhe a cabeça.

Vico Road, Dalkey [B 51,37; H 34,2; G 124,26] – Giambattista Vico (1668-1744) é significativo neste episódio, com a arte sendo História. Sua estrutura é baseada no ciclo de quatro etapas proposto por Vico. Realmente há uma Estrada Vico em Dalkey.

Armstrong [B 52,5; H 34,10; G 125,1] – Personagem fictício.

píer Kingston [B 52,6; H 34,11; G 124,2] – Um local da moda, com musica, eventos nas noites de verão e oportunidades de namoro.

Comyn [B 52,9; H 34,22; G 125,13] – Não há família em Dalkey com esse nome. Mas é família muito poderosa e proeminente na Escócia desde após a invasão normanda. Envolveu-se em luta fracassada pela independência da Escócia no século XIII.

espicilégio [G 125,15] – Antologia de contos populares. Original chapbook [25,7]. Outro tradutor: “perolário” [H 34,24]

Não tivesse Pirro caído pela mão de uma bruxa em Argos ou não tivesse Júlio César sido morto a punhaladas. Eles não podem ser descartados do pensamento [B 52,27; H 34,32; G 125,24] César (100-44 a.C.), general romano, estadista, ditador (“ditador”, em Roma, tinha significado diverso do atual. Era um cidadão, constitucionalmente indicado pelo Senado, para resolver situação calamitosa da República, com plenos poderes por 6 meses), assassinado pelos conspiradores do partido aristocrático (César era do partido da plebe), que temiam seu poder. Stephen considera a possibilidade de a História poder ter sido diferente. O que já foi feito não pode ser desfeito pelo pensamento.

no lugar das possibilidades infinitas que eles jogam fora [B 52,30; H 34,35; G 125,27] – Distinção baseada em Aristóteles (“Metafísica”) da antítese entre “potencial” (que pode ser mudar ou ser mudado) e “atualidade” (“a existência da coisa” que não pode ser modificada). Aristóteles afirma que em nenhum momento na História há um número de “possibilidades” para o momento seguinte, mas somente uma das possibilidades pode vir a ser “atual” e somente ela virá a ser atual, com as outras nesse dado momento sendo desprezadas.

Ou foi possível apenas essa que aconteceu? [B 52,32; H 34,37; G 125,28] – Outra distinção aristotélica, aqui entre Poesia e História, em “Poética” (IX, p. 39): a obra do poeta não consiste em contar o que aconteceu, mas sim coisas que poderiam acontecer, possíveis do ponto de vista da verossimilhança ou da necessidade. A diferença está em que o historiador narra acontecimentos e o poeta fatos que poderiam acontecer.

Teça, tecelão do vento [B 52,33; H 34,37; G 125,29] – Ver episódio Telêmaco [B 46,35; H 30,22; G 120,33]. Na antiga tradição irlandesa, tecedura estava ligada ao dom da profecia.

Talbot [B 52,39; H 35,4; G 125,35] – Não havia família com esse nome em Dalkey.

Não chorem mais, tristes pastores, não chorem mais Pois Lycidas, que chorais, não está morto, Embora submerso no fundo das águas mortais [B 53,4; H 35,10; G 126,5] John Milton (1608-74), “Lycidas”, 1638, elegia pastoral sobre a morte por afogamento de Edward King, colega de Milton em Christ College, Cambridge (versos 165-193).

Deve ser um movimento então, uma realidade do possível como possível [B 53,7; H 35,13; G 126,8] – Aristóteles fala do movimento nesses termos em vários lugares de suas obras. Na “Física” (3,1): “a realização do que existe potencialmente é movimento, isto é, alteração”.

biblioteca de Santa Genoveva [B 53,10; H 35,16; G 126,11] – Existente na Praça do Panteão em Paris, frequentado por estudantes exclusivamente à noite. Alusão a passagem de “O Casamento de Céu e Inferno” de Blake: “Eu vi uma casa no Inferno & vi o método pelo qual é transmitido o conhecimento de geração a geração. Na primeira câmara havia um Homem-Dragão limpando o lixo da entrada da caverna; e dentro, uma porção de Dragões estava esvaziando a caverna”.

um franzino siamês examinava um manual de estratégia [B 53,11; H 35,18; G 126,13] – Atualmente “siamês” é chamado “tailandês”. Em 1902, a França pressionava o então Sião para este ceder território. Tratado entre a França e a Inglaterra pôs o país como quase colônia.

A mover suas pregas escamosas de dragão [B 53,16; H 35,22; G 126,18] – Alusão ao mito de Cadmo, que Vico refere no parágrafo que se segue à sua menção das escamas do dragão em “A Nova Ciência”. Stephen deve estar pensando na imagem que Vico tem do dragão. Ver episódio Circe [B 644,2; H 630,35; G 852,7].

O pensamento é o pensamento do pensamento… A alma é de certa maneira tudo que existe: a alma é a forma das formas [B 53,16; H 35,23; G 126,19] Aristóteles em “De Anima” (“Sobre a alma”), 3, 432a: “Assim como a mão é o instrumento dos instrumentos, a mente (νοῦς, noûs – “alma”) é a forma das formas e sensação da forma dos sensíveis”. “A alma, em um certo sentido, é tudo que existe”; “A alma intelectual é a forma das formas”. Em “Metafísica” argui que o principal movimento é o pensamento refletindo sobre ele mesmo.

Pelo amado poder Dele que andou sobre as ondas [B 53,21; H 35,28; G 126,24] – De Lycidas de Milton. Ver Mt 14,24-33; Mc 6,47-52; Jo 6,16-21.

A César o que é de Cesar, a Deus o que é de Deus [B 53,32; H 36,2; G 127,3] – Palavras de Cristo, quando lhe perguntaram se era certo pagar tributo a César (a imagem estava gravada nas moedas romanas) – Mt 12,21; Mc 12,17; Lc 20,25.

Adivinhe, adivinhe, adivinho! Ganhei grãos pra semear do paizinho [B 53,35] Começo de uma charada tradicional na Irlanda. No original, Ridle me, ridle me, randy ro. My father gave me seeds to sow [26,18]. A charada continua: “A semente era preta e a terra era branca. / Decifre-me isto e lhe darei um cachimbo (ou uma dose de bebida)”. Resposta: “escrevendo uma carta”. Outros tradutores: “Pergunta e me engana, charada Meu pai me deu semente e enxada” [G 127,7] e “Adivinhe, adivinhe, adivinho, Ganhei grãos de semear do paizinho” [H 36,5].

hockey [B 53,40; H 36,9; G 127,11] – Não obstante o renascer do jogo irlandês, de origem celta, similar ao hockey, o hurling, os alunos jogam o esporte inglês de campo.

O galo cacarejou O céu azulou; Sinos de bronze Soaram onze. A hora da pobre alma Ir pro céu chegou [B 54,10] Adaptação de outra charada. Original The cock crew The sky was blue: The bells in heaven Were striking eleven, Tis time for this poor soul To go to heaven [26,33]. Outras traduções: “O galo cantou, O céu azulou, E os sinos de bronze Bateram as onze. É hora do incréu Seguir para o céu” [G 127,22] e “O galo cucuricou No céu o azul se espraiou: Celestes sinos de bronze Bimbalharam as onze. Tempo para esta pobre alma Ter do paraíso a calma” [H 36,19]. Resposta: “A raposa enterrando sua mãe sob um azevinho”. Stephen substitui a palavra “mãe” da charada original por “avó”.

Sargent [B 54,32; H 37,5; G 128,12] – Não há família com este nome em Dalkey.

Sr. Deasy [B 55,1; H 37,15; G 128,23] – O diretor da escola. O nome deve ter a ver com o “Deasy Act” (1860), ato a apontar reforma agrária, mas na realidade regulamentação impiedosa da posse da terra em favor dos ricos proprietários (na maioria anticatólicos e a favor do domínio britânico). Fazendo jus ao nome, o sr. Deasy é um “west briton”, irlandês que vê a Irlanda como a mais ocidental província britânica e que imita os costumes ingleses e sua moral. Ironicamente, havia um padre católico pároco da igreja em Castle Street, com esse nome, em Dalkey, em 1904, de perfil diferente ao do sr. Deasy.

Era isso então real? A única coisa verdadeira na vida? [B 55,15; H 37,28; G 128,36]Stephen naturalmente refere-se ao “amor de mãe”, ecoando a afirmação de Cranly em “Retrato do Artista Quando Jovem” (de Joyce): “Seja lá o que for incerto no monte de esterco fedorento, o amor de mãe não é”.

O corpo prostrado de sua mãe o ardente Columbano em seu zelo sagrado passou por cima [B 55,16; H 37,29; G 129,1]São Columbano (543-615), santo irlandês e escritor que Joyce menciona em seu ensaio “Ireland, Island of Saints and Sages” (“Irlanda, Ilha de Santos e Sábios” – 1907). Consta que, indo para a Europa como missionário, o santo deixou sua mãe contra a vontade dela.

Uma pobre alma [B 55,20; H 37,33; G 129,6] – Ver neste episódio [54,10; H 36,19; G 127,22].

E numa charneca uma raposa … cavava e cavava [B 55,20; H 37,34; G 129,6] – Evoca duas passagens de obras do dramaturgo da Renascença John Webster. A primeira em The White Devil (“O Diabo Branco”), no qual Cornélia se refere a vários animais a respeitar homens enterrados, mas afirma o lobo ser exceção. O outro, The Duchess of Mafri (“A Duquesa de Mafri”), no qual Frederick fala de sua irmã assassinada e diz que o lobo não devora o cadáver, mas o desenterra. Superstição acredita que cadáveres de pessoas assassinadas são desenterradas por lobos. Em “Polite Conversation” (“Conversa Educada”), de Swift, terceiro diálogo, a senhorita Notable diz: “Ó, a criatura hedionda! Observe suas unhas. Elas são longas o suficiente para tirar sua avó fora de seu túmulo”. Ver neste episódio [B 54,10; H 36,19; G 127,22].

por meio de álgebra que o fantasma de Shakespeare é o avô de Hamlet [B 55,24; H 37,39; G 129,12] Ver episódio Telêmaco [B 43,25; H 26,38; G 116,34].

os símbolos se moviam numa solene dança mouresca [B 55,29; H 38,4; G 129,16] – Para Stephen, os numerais em sua origem são árabes e a dança mourisca, etimologicamente. Sua frase ecoa “Comus” (verso 116) de Milton, “agora a lua se move em meneio mourisco”. Ver episódio Proteu [B 78,36; H 62,6; G 157,17].

Dê as mãos, atravesse, incline-se diante do parceiro: assim: diabinhos da imaginação dos mouros [B 55,31; H 38,6; G 129,18]Os mouros levaram a álgebra para a Europa.

Partiram também do mundo, Averróis e Moisés Maimônides, homens escuros em semblante e ação, refletindo em seus espelhos zombeteiros a alma obscura do mundo, uma escuridão brilhando na claridade que a claridade não pôde compreender [B 55,32; H 38,7; G 129,20]Averróis (1126-98). Filósofo hispano-árabe; Moisés Maimônides (1135-1204). Filósofo e rabino. Ambos tiveram influência sobre a Escolástica (período da Filosofia medieval). Frase recorrente em Filosofia (principalmente medieval e mística). Stephen tirou de frase de Giordano Bruno (1548-1600), filósofo italiano para quem a “Anima Del Mondo” era o princípio unificador e a origem da natureza. Joyce escreveu um ensaio sobre ele – “The Bruno’s Philosophy” (“A Filosofia de Bruno”), em 1903. Inversão paródica de texto – “e a luz brilha nas trevas, mas as trevas não a apreenderam” (Jo 1,5). [Comparar com Jo 3,19 e Is 5,20]. Stephen está preocupado (como Joyce) com a persistência de uma incomensurável escuridão (ou erro, ou heresia) dentro da “luz” (ou lei ou Igreja), uma escuridão que é mais “verdadeira” do que a “verdade” da “luz”.

Amor matris: genitivo subjetivo e objetivo [B 56,2; H 38,17; G 129,31] em latim: “amor de mãe”, significando “amor de mãe (por alguém)” – subjetivo, ou “amor de (alguém) pela mãe” – objetivo. Stephen está pensando em si mesmo e sua própria mãe o quanto ele está pensando em Sargent e mãe de Sargent.

Halliday [B 56,31; H 39,12; G 130,28] – Não havia família Haliday em Dalkey.

Como era no princípio, é agora [B 57,3; H 39,24; G 131,6] Conclusão de Glória ao Pai: “Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, assim como era no princípio, agora e sempre por todos os séculos dos séculos”.

No aparador a bandeja com as moedas Stuart [B 57,3; H 39,25; G 131,6] O rei católico da Inglaterra Jaime II (1633-1701), deposto pelo protestante Guilherme de Orange (1650-1702), primeiro fugiu para a França e alguns anos depois foi para a Irlanda, que ficara leal a ele. Comandou tropas irlandesas derrotadas por Guilherme de Orange, já rei Guilherme III, na batalha de Boyne (1690). Esta derrota é um dos eventos responsável pelo poder protestante na Irlanda do Norte. Enquanto viveu na Irlanda, Jaime mandou cunhar moedas de metal inferior (com isso depreciando a moeda corrente), bronze e estanho. Mais tarde, para os colecionadores, dado que raras, se tornaram valiosas. Joyce, em “Alphabetical Notebook” se refere a isto, dizendo, “a sagacidade dos irlandeses acompanhou as pegadas do rei Jaime II, que depreciou a moeda como fazem os cascos do gado destruindo a terra”. Essa afirmação é apropriada ao episódio, a estar de acordo ao apego do senhor Deasy ao dinheiro, seu interesse por gado (especialmente ao problema da febre aftosa) e sua aversão a judeus, não os permitindo na Irlanda. No original tray of Stuart coins, base treasure of a bog [29,25]. A referência de Stephen a “bog” (“pântano”, “privada”) pode ser alusão a tradição popular numa balada anônima, “Lillibullero” (Ligada a Jaime II e a Richard Talbot, primeiro conde de Tyrconnell, nomeado pelo rei como se fora um vice-rei). “Lilli” é forma familiar de “William” e “bullero” vem do irlandês “Buaill Leir ó”, o que se pode traduzir por “William derrotado, tudo o que restou”): “Havia uma velha profecia encontrada em um pântano (latrina?), / Lillibullero… / O país ser governado por um jumento e um cachorro, / Lillibullero… / Agora, esta profecia é tudo que virá a acontecer / Lillibullero… / James, o cão; Tirconnell, o jumento” / Lillibullero… ”.

Os doze apóstolos tendo pregado para todos os gentios [B 57,6; H 39,28; G 131,10] – Em Mt 10,5-6, Cristo diz para os apóstolos não irem para o meio dos gentios. Mas nos Atos dos Apóstolos 10 e 11, a Igreja decide pregar aos gentios. Stephen está levando em consideração essa última atitude.

A vieira-de-são-tiago [B 57,20; H 40,2; G 131,25] – Uma vieira era usada pelos peregrinos como sinal da ida ao santuário S. Jaime em Compostella.

Símbolos também de beleza e poder [B 57,35; H 40,19; G 132,6] – Em Heráldica, conchas são símbolos de beleza, excelência e sapiência dos deuses. A concha da espécie murex, com cor de púrpura real, segundo os gregos era símbolo de soberania e poder dos deuses.

Se ao menos a mocidade soubesse [B 58,7; H 40,32; G 132,20] – Deasy está aludindo ao provérbio: “Se a mocidade soubesse que a idade necessitará, ganharia e economizaria”. Este é o conselho de Otelo a Roderigo (Otelo, I, iii, 345).

Ponha apenas dinheiro em sua carteira. Iago [B 58,8; H 40,33; G 132,22] O Sr Deasy cita Iago, em “Otelo” de Shakespeare (I, iii).

Ele sabia o que o dinheiro era – disse o Sr. Deasy. – Ele ganhou dinheiro [B 58,12; H 40,37; G 132,26] – Shakespeare tinha participação no Globe Theatre, na companhia e nas vendas dos espetáculos. Com essa atividade conseguiu se tornar proprietário em Stratford após 1599.

Um celta francês [B 58,20; H 41,7; G 133,1] – O sr. Deasy se equivoca. A origem da expressão “o sol nunca se põe” está em Heródoto, ao se referir a Xerxes, rei persa. Depois essa frase foi usada pelo capitão John Smith, sir Walter Scott, Friedrich von Schiler e Daniel Webster e não por celta francês.

Curran [B 58,31; H 41,15; G 133,10] – Constantine P. Curran foi amigo de Joyce em Dublin.

Mc Cann [B 58,31; H 41,15; G 133,10] – Personagem em “Retrato de Artista Quando Jovem”.

Fred Ryan (1876-1913) [B 58,31; H 41,16; G 133,11] Economista e jornalista irlandês, editor da revista Dana.Também foi dramaturgo e secretário da Sociedade Nacional Irlandesa de Teatro, que fundou o Abbey Theatre.

Temple [B 58,32; H 41,16; G 133,11] – Personagem em “Retrato de Artista Quando Jovem”.

Russell (1867-1935) [B 58,32; H 41,16; G 133,12] – Apelidado A.E., jornalista (do Irish Homestead, onde Joyce teve matéria publicada), reformador agrário e figura significativa do renascimento da literatura irlandesa nos séculos XIX e XX como poeta, escritor e teórico em Economia. Combinou essas atividades com a de seguidor das verdades de experiência mística – Teosofia – e artista.

Cousins [B 58,33; H 41,17; G 133,12] – James H. Cousins, dublinense, relacionado com Joyce e, como Russell, ligado à Teosofia.

Bob Reynolds [B 58,33; H 41,17; G 133,12] – Desconhecido. Pode se referir a W. B. Reynolds, crítico musical do Belfast Telegraph, onde Joyce publicou alguns de seus poemas para música.

Koeller [B 58,33; H 41,17; G 133,13] – T. C. Keller, literato dublinense amigo de Joyce.

Srª Mac Kernan [B 58,34: H 41,18; G 133,14] – Dublinense de quem Joyce alugou um quarto em 1904.

um homem de saiote escocês axadrezado: Eduardo, príncipe de Gales (1841-1910) [B 59,4; H 41,29] – A partir de 1904, rei Eduardo VII da Inglaterra.

Kilt tartan [G 133,26] Saiote escocês.

Eu vi três gerações desde o tempo de O’Connell [B 59,7; H 41,32; G 133,28] – Daniel O’Connell (1775-1847), líder político irlandês (“O Libertador”) que militou com sucesso pela Emancipação Católica (1829). Os católicos vinham sofrendo severas restrições de seus direitos e liberdades políticas e religiosas desde o tempo de Henrique VIII, que reinou de 1509 a 1547. O’Connell também, porém sem sucesso, fez campanha para que fosse revogado o Ato de União (Act of Union) que em 1800 dissolvera o Parlamento Irlandês e submetera a Irlanda ao Parlamento Britânico em Westminster.

Eu me lembro da praga da fome em 46 [B 59,8; H 41,33; G 133,29]A Grande Fome (1845-8), durante a qual as plantações de batatas foram destruídas por praga. Como a batata era a base da dieta da grande maioria de camponeses irlandeses (pelo menos a metade da população naquela época), e como a Irlanda estava sendo impedida de desenvolver indústrias independentes que poderiam ameaçar as inglesas, não havia nenhuma estrutura econômica industrial que pudesse sustentar a crise e os efeitos foram cataclísmicos: uma redução da população (por morte ou emigração) de 8,2 milhões de habitantes em 1841 para 6,6 milhões em 1851.

Você sabia que os núcleos orange agitaram a opinião pública [B 59,8; H 41,33; G 133,29]Os núcleos orange eram sociedades protestantes, por vezes violentamente anticatólicas, formadas na década de 1790 e unidas pela Sociedade Orange (Orange Society), 1795, cujo objetivo era a “manutenção da autoridade britânica na Irlanda”. Concentravam-se no Ulster, os condados ao extremo norte da Irlanda.

agitaram a opinião pública em favor da revogação do Ato da União vinte anos [B 59,9; H 41,34; G 133,30] Os oranges foram inicialmente, e por pouco tempo, antiunião. A versão da História apresentada pelo Sr Deasy, se não é ignorância, é altamente seletiva e distorcida.

Os prelados de sua confraria o denunciassem como demagogo [B 59,11; H 41,34; G 133,31] – Os bispos da Igreja Católica apoiaram O’Connell em sua campanha pela emancipação católica e pela revogação do Ato da União. Alguns desconfiavam dele e de seus métodos, mas não consta o terem “denunciado”.

Vocês fenianos esquecem algumas coisas [B 59,12; H 41,36; G 133,33]O termo (fenians) vem do exército Fianna na saga medieval Fionn Mac Cumbail, nome popular da Irmandade Republicana Irlandesa (Irish Republican Brotherhood), fundada por James Stephens (1825-1901) em 1858, organização política compromissada com a luta pela independência irlandesa e disposta a usar todos os meios necessários. O termo também nomeia qualquer republicano irlandês.

Memória gloriosa, piedosa e imortal [B 59,13; H 41,37; G 133,34]Stephen condensa vários momentos da história das confrontações protestantes/católicos, a começar por “Memória gloriosa…”: saudação dos oranges à memória de Guilherme III (“que nos salvou da pobreza, escravidão, poder arbitrário, dinheiro de cobre e sapatos de madeira”).

O núcleo de Diamond em Armagh, a esplêndida, ornado de cadáveres de papistas [B 59,13; H 41,37; G 133,34]Em 11 de setembro de 1795 vinte ou trinta “defensores” (habitantes católicos organizados para se defenderem dos “impositores” protestantes das leis anticatólicas) foram massacrados em Diamond, no condado de Armagh, ao norte da Irlanda. O incidente levou à formação da Sociedade Orange.

O juramento de lealdade dos fazendeiros ásperos, mascarados e armados até os dentes [B 59,14; H 41,38; G 133,35]O Pacto de Agricultores (Planter’s Covenant). Aparentemente uma alusão ao juramento de lealdade ao rei da Inglaterra (Chefe de Estado e da Igreja) com o qual se obtinha terra (ou plantações) na Irlanda desde o tempo do reinado de Elizabeth I (1558-1605).

O norte protestante-reacionário e os verdadeiros presbiterianos escoceses legalistas da bíblia. Submetam-se cabeças tosadas [B 59,16; H 41,39; G 134,1] Norte Negro, a Irlanda do Norte protestante. “Submetam-se cabeças tosadas” – lema dos protestantes oranges. “Tosado” (“croppy”)um termo para designar qualquer rebelde irlandês a partir dos rebeldes de Wexford que lutaram na Rebelião de 1798 contra o domínio inglês. A frase está em baladas, como “When the Paddies of Erin” (“Quando os arrozais de Erin”), com o refrão, “mais para baixo, ‘croopies’ ” Também está em outra balada, “The Old Orange Flute”, que fala de um orangista que se converteu ao catolicismo, mas continuava a usar a expressão quando tocava sua flauta.

Sir John Blackwood (1722-99) [B 59,20; H 42,5; G 134,5] – Tentaram suborná-lo oferecendo título de nobreza para votar pela União, mas ele recusou. Mas Josiah Barrington o incluiu em lista negra de ter votado pela União e sido agraciado com o título de Lord Dufferin por seu ato.

Nós somos todos irlandeses, todos filhos de reis [B 59,21; H 42,6; G 134,6]O Sr Deasy está citando provérbio irlandês. No caso, os reis são os reis irlandeses da Antiguidade. Há provérbio judeu similar.

Ai de mim, disse Stephen [B 59,23; H 42,8; G 134,8]Stephen chama a atenção para a ironia de “reis” serem também os ingleses e, portanto, todos os irlandeses serem súditos de colonizadores.

Per vias rectas, disse o Sr. Deasy [B 59,24; H 42,9; G 134,9] – em latim, “por vias retas”. Lema de sir John. A essa altura, está claro que as “vias” do sr. Deasy são tudo, menos “retas”. Lema do Belvedere College em Dublin, onde Joyce estudou de 1893 a 1898 e também de Sir John Blackwood.

Ards of Down [B 59,26; H 42,11; G 134,11] – Península no Mar de Irlanda em County Down, a oitenta milhas a norte-nordeste de Dublin. O distrito fica a oeste da fortaleza dos Homens de Orange de Belfast.

Trota, trota, meu rocim E me leva até Dublin [B 59,27] – The Rocky Road to Dublin, balada irlandesa de autor desconhecido. Original Lal the ral the ra The rocky road to Dublin [31, 35]. Conta as aventuras de um rapaz, camponês católico pobre de Connacht, como ele viajou de Dublin a Liverpool. Ele é escarnecido, roubado e alojado com porcos durante o trajeto. Em Liverpool, quando sua terra é insultada, revida com seu shileagh (chicote) e recebe o apoio de rapazes de Galaway, obtendo respeito num mundo adverso. Outros tradutores: “Trota, trota, rocim, / A pedrenta estrada a Dublin” [H 42,12] e “Larirarirá / A estrada pedregosa até Dublin” [G 134,12].

Um dia ameno [B 59,30] – original Soft day [31,37], usual cumprimento irlandês, significando “dia com névoa, com garoa”. Outros tradutores: “Belos tempos” [H 42,15] e “Belo dia” [G 134,15].

diante da presença principesca [B 60,5; H 42,32; G 134,31] – Retrato de Eduardo VII, ardente entusiasta por cavalos. Analogia de Stephen com Telêmaco, em presença de Nestor, rei de Pylos e mestre em condução de carruagens.

Emolduradas nas paredes imagens de cavalos desaparecidos [B 60,6; H 42,33; G 134,32]Vários aristocratas ingleses e seus cavalos campeões. Alusão a Nestor (da Odisseia), “exímio cavaleiro” (master of horsemanship) e que forneceu cavalos e uma carruagem a Telêmaco para suas viagens.

Repulse, de lorde Hastings… Prix de Paris, 1866 [B 60,7; H 42,35; G 134,34] – Nomes de cavalos e de seus proprietários no Prêmio de Paris de 1866.

Fair Rebel [B 60,17: H 43,8; G 135,11]Nome de cavalo favorito no dia 4 de junho de 1902. Ver “Retrato do Artista Quando Jovem”.

É sobre febre aftosa [B 60,37; H 43,27; G 135,30]Houve uma epidemia de febre aftosa (que não tinha cura) na Irlanda, mas só em 1912. Joyce datou para 1904.

doutrina de laissez-faire  [B 60,39; H 43,29; G 135,33] – Preconiza a liberdade absoluta de produção e industrialização de mercadorias. No capitalismo evoluiu para o liberalismo econômico.

O processo de todas as nossas velhas indústrias [B 60,41; H 43,31; G 135,34] – Ver episódio Os Ciclopes [B 381,26-31; H 276,36-377,3; G 524,31-525,3].

A corja de Liverpool que sabotou o projeto do porto de Galway [B 61,1; H 43,32; G 135,35]Em meados do século XIX existiam vários projetos para transformar Galway em um porto transatlântico. Todos fracassaram não por razão de uma conspiração, senão de incompetência no assunto.

Conflagração européia. Suprimento de cereais através das águas estreitas do canal [B 61,2; H 43,33; G 135,36] – No evento de uma guerra europeia, navios transatlânticos não poderiam fazer escala entrando pelo canal São Jorge, entre Irlanda e Gales, ou pelo canal do Norte, entre Irlanda e Escócia, mas poderiam entrar em Galway diretamente do Atlântico.

Que me seja perdoada uma alusão clássica. Cassandra [B 61,4; H 43,34; G 136,3]Cassandra era filha de Príamo e Hécuba, cuja previsão da queda de Troia foi ignorada. Tendo recusado o amor de Apolo, foi condenada por ele a fazer previsões verdadeiras, mas não aceitas como reais.

Por uma mulher que não valia nem um pouco sua reputação [B 61,5; H 43,37; G 136,4] – A frase é proverbial e se aplica a Helena de Troia. Ocorre em “Polite Conversation” (“Conversa Educada”) de Swift, primeiro diálogo, quando as mulheres estão falando de pessoa conhecida faz tempo, a srª Cloudy, e a senhorita Notable, “Disseram-me, como certo, que ela não é tão correta como deveria ser”. Partridge então comenta: “Uma mulher de amor livre”, isto é, “Ela não vale grande coisa”.

Preparado de Koch [B 61,9; H 44,1; G 136,8] – Robert Koch (1843-1910), bacteriologista, um dos primeiros a usar inoculação como meio de prevenir doenças. O preparado citado foi usado em carbúnculo. Tentado para febre aftosa, sem resultado satisfatório.

Porcentagem de cavalos imunizados [B 61,10; H 44,2; G 136,9] – Refere-se a cavalos que foram tratados com substância derivada do bacilo da tuberculose produzida por Emil Adolf von Behring (1854-1917). Mas não houve resultado satisfatório.

Rinderpest [G 136,10] – Peste bovina.

Cavalos do imperador Mürzsteg [B 61,11; H 44,2; G 136,10] – O imperador austríaco não tinha local de pesquisa nem estábulo em Mürzsteg. O dr Richard Blass, de Viena, revelou não ter havido experiências veterinárias em Mürzsteg entre os anos 1895 e 1914.

Cirurgiões veterinários [B 61,11; H 44,3; G 136,11] – Na virada do século XIX para o XX, Veterinária era ramo novo da Medicina. A carta do Sr. Deasy reclama cura da febre aftosa e outras doenças. Mas o enfoque central da carta é um alerta para que a epizootia seja investigada e tratada à luz dos últimos avanços científicos.

pegar o touro a unha [B 61,14] – original take the Bull by the horns [33,16]. Outros tradutores: “pegue-se o touro pelos chifres” [H 44,7] e “agarrar o touro a unha” [G 136,14]. Provérbio: “encarar situação difícil ou desesperadora, assumindo total responsabilidade”.

Meu primo, Blackwood Prince [B 61,18; H 44,10; G 163,19] – Henry Blackwood Price se correspondeu com Joyce em 1912 sobre surto de febre aftosa na Irlanda.B 61,18; H 44,10;

Inglaterra nas mãos dos judeus [B 61,27; H 44,19; G 136,29] – Ver episódio Telêmaco [B 46,41; H 30,29; G 121,4].

De rua em rua uma prostituta berra E vai tecendo a mortalha da Inglaterra [B 61,38]William Blake, em Auguries of Innocence (“Augúrios da Inocência”), escrito cerca de 1803. No contexto, No original The harlot’s cry from street to street Shaw weave old England’s winding sheet [33,38]. No contexto, “A Prostituta e o Jogador, pelo Estado / Licenciados, constroem o destino da Nação. / O grito da Prostituta de rua em rua / Tecerão a mortalha da Velha Inglaterra. / O Grito do Vencedor, a Maldição do Perdedor, / Dançam antes do Carro Fúnebre da falecida Inglaterra”. Outros tradutores: “A meretriz errante berra E cava a cova da Inglaterra” [G 137,6] e “Das ruas o refrão das rameiras enterra Em sua vil mortalha esta velha Inglaterra” [H 44,29].

o raio de sol no qual se detivera [B 61,41; H 44,31; G 137,8] – na Odisseia, “enquanto Nestor falava, o sol desapareceu do céu / e a escuridão veio para a terra”.

Eles pecaram contra a luz [B 62,3; H 44,35; G 137,11] – João Batista “veio como testemunha para dar testemunho da luz [Jesus]… [O Verbo] era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, iluminará todo homem (Jo 1,8-9). A frase do senhor Deasy toma por base que os judeus não somente recusaram a Luz (a presença e a mensagem de Jesus), como também exigiram que ele fosse morto na cruz..

e por isso eles são os errantes da terra até os dias de hoje [B 62,5; H 44,36; G 137,12] – A lenda do Judeu Errante e da situação geral do povo judeu. Ver episódio Cila e Caribde [B 260,27; H 254,24; G 380,28].

Nos degraus da Bolsa de Paris [B 62,6; H 45,1; G 137,14] – No século XIX, a Bolsa de Paris era cópia do templo de Vespasiano (pai de Tito, que destruiu o Templo de Jerusalém). A cena recordada por Stephen não se situa no lado externo do edifício, mas na parte interna, no saguão. Os degraus são onde os operadores da Bolsa ficavam. E ao recinto poucos podiam ter acesso.

Eles formigavam ruidosamente, insólitos, pelo templo [B 62,8; H 45,3; G 137,15] – Como é descrita a troca de moedas no Templo (Mt 21,12; Mc 11,15; Lc 19,45; Jo 2,13).

A História, disse Stephen, é um pesadelo do qual estou tentando despertar [B 62,23; H 45,18; G 137,33] – Conforme Jules Laforgue (1860-87), em “Mélanges Posthumes” (Paris, 1903): “A vida é triste de mais, suja de mais. A História é um velho pesadelo espalhafatoso que não desconfia que as melhores piadas são as mais curtas” (La vie est trop triste, trop sale. L’Histoire est un vieux cauchemar bariolé que ne se doute pas que les meilleures plaisanteries sont les plus courtes).

Toda a história da humanidade se move em direção a um grande alvo, a manifestação de Deus [B 62,29; H 45,24; G 138,4] – Na boca do sr. Deasy isto expressa a fé vitoriana na inevitabilidade do progresso espiritual e moral do homem. Esta frase se encontra em duas passagens da poesia vitoriana: “Westminster Abbey” de Matthew Arnold, “Por este caminho e que oscila / O fluxo das coisas mortais, / Embora em movimento interior, para um alvo distante”. E em “In Memoriam” de Tennyson: “Que Deus, que sempre vive e ama, / Um só Deus, uma só lei, um elemento, / E um evento divino distante, / Para o qual toda a criação se move”. No final do século XIX esta fé era vista com uma substituta débil ao compromisso vital espiritual. Como uma filosofia da História, contudo, desfrutou de uma rigorosa herança, de Agostinho de Hipona (354-430) através de Giordano Bruno a Georg Wilhelm Fiedrich (1770-1831) e seu esforço para conferir valor científico às verdades reveladas da religião.

Um grito na rua [B 62,35; H 45,30; G 138,10] – “A sabedoria eleva em plena rua sua voz e grita suas palavras pelas praças” (Prov 1,20) e “Ele não precisará gritar nem elevar sua voz para que ela seja ouvida nas ruas” (Is 42,2). Também em “Metamorfoses” de Ovídio: “voz de Deus: Júpiter troante”.

Uma mulher trouxe o pecado para o mundo [B 62,40; H 45,36; G 138,16] – Alusão à queda do Homem devido a Eva. Mas esse evento na Bíblia não é tão antifeminista como as observações de Deasy: “E viu a mulher que a árvore era boa para comer, desejável para os olhos e cobiçável a árvore para entender o bem e o mal, e tomou de seu fruto e comeu, e deu também a seu marido, que estava com ela, e ele comeu” (Gen 3,6). No entanto, a versão antifeminista da Queda tem sido um forte componente da tradição cristã.

Helena, a mulher fugitiva de Menelau, os gregos guerrearam Troia durante dez anos [B 63,1; H 45,38; G 138,18] – Alusão a Helena, raptada por Páris e à guerra de Troia. Similar ao que diz Nestor falando da traição de Clitemnestra (Odisseia, canto III).

Uma mulher infiel trouxe pela primeira vez estrangeiros para o nosso litoral, a mulher de MacMurrough e seu amante, O’Rourke, príncipe de Breffini [B 63,2; H 45,39; G 138,20] – Outro erro do sr. Deasy. O rei Dermot MacMurrough era o amante de Devorgilla, cujo marido era O’Rourke. Em 1167, o príncipe Tiernan O’Rourke, com o apoio de Roderick O’Connor, rei da Irlanda, conseguiu depor MacMurrough, vingando-se do rapto de sua mulher. MacMurrough fugiu para a Inglaterra, de onde, em 1169, junto às forças de Henrique II, realizou a primeira invasão anglo normanda à Irlanda. No original, MacMurrough’s wife and her leman O’Rourke [35,1]. “Leman” antigamente significava “marido”, mas Deasy está usando a palavra no sentido moderno – namorado, amante, comumente apontando para comportamento imoral. E, assim, dando uma conotação de bagunça, trapalhada, enlameando.

Uma mulher também causou a derrocada de Parnell [B 63,4; H 46,2; G 138,22] – Charles Stewart Parnell (1846-91), parlamentar líder do Partido Parlamentar Irlandês (Irish Parliamentary Party) e latifundiário, militava pela independência da Irlanda (Home Rule) e era chefe de uma organização dedicada a garantir, através de ação direta, uma solução justa para o opressivo sistema de posse e gerenciamento de terras. Preso por seu envolvimento com a organização, voltou ao Parlamento depois de solto, conseguindo o apoio do primeiro-ministro liberal Gladstone. Em 1889 foi citado em um pedido de divórcio do capitão William O’Shea contra sua mulher Katherine, que há anos vivia em concubinato com Parnell. Em seguida, não obstante lutar corajosamente para manter sua posição, Parnell foi abandonado pelo Partido Irlandês, denunciado pela Igreja Católica, morrendo poucos meses após ter casado com Katherine.

mas não o pecado dos pecados [B 63,6; H 46,3; G 138,24] – Isto é, os irlandeses não praticaram o pecado contra a Luz.

Por Ulster lutaremos E Ulster salvaremos [B 63,8]O Ulster, região no extremo norte da Irlanda, hoje designa a Irlanda do Norte. Foi Lorde Randolph Churchill (1849-94), oponente de Gladstone e da independência irlandesa, quem criou esse nome, que se tornou lema nas campanhas pró-protestantes e anti-Home Rule. No original For Ulster will fight And Ulster will be right [35,6]. Outras traduções: “Por Ulster peito aberto E Ulster sempre é certo” [G 138,24] e “Porque Ulster lutará: Seu direito vingará” [H 46,3;].

Telegraph. Irish Homestead [B 63,24; H 46,22; G 139,8] – O Evening Telegraph era um jornal diário em Dublin. Irish Homestead era um semanário também em Dublin. Defendia a reforma agrária. Stephen o chama de “The pig’s paper”.

Sr. Field, membro do Parlamento [B 63,28; H 46,26; G 139,12] – Presidente da Associação Irlandesa dos Comerciantes de Gado e da Associação de Proprietários de Armazéns Irlandeses em 1904.

um encontro de comerciantes de gado hoje no City Arms Hotel [B 63,29; H 46,27; G 139,14] – Os comerciantes de gado reuniam-se às quintas–feiras (o dia dos eventos de Ulisses, 16 de junho de 1904 é uma quinta-feira) neste hotel, situado próximo ao mercado de gado, no noroeste de Dublin.

bardo protetor de novilhos [B 64,6; H 47,7; G 139,33] – Alusão a Homero, referindo-se aos Ciclopes e ao Gado do Sol (cantos IX e XII da Odisseia e episódios 12 e 14 de Ulisses). Também Stephen está pensando em Tomás de Aquino. Seus alunos em Colônia o apelidaram de “Boi Mudo”. Mas Alberto Magno se manifestou dizendo: “nós o chamamos de ‘Boi Mudo’, mas em seu ensinamento ele vai, um dia, produzir tais berros, que sua voz será ouvida em todo o mundo”.

Porque ela nunca os deixou entrar– disse o Sr. Deasy solenemente [B 64,18; H 47,21; G 140,10]A história irlandesa inclui a presença de habitantes judeus desde o século XI. Em 1290 foram expulsos da Irlanda e da Inglaterra. No governo de Cromwell – a partir de 1650 – voltaram a se instalar nos dois países. Em 1904, 3.898 judeus viviam na Irlanda.

 

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